Se pudéssemos voltar cerca de 15 anos no passado, reviveríamos um cenário muito diferente do que encontramos hoje no mundo cervejeiro. Nessa época eram poucas as ofertas de rótulos e menor ainda o número de tipos de cerveja no mercado. Embora alguns possam se recordar de uma ou outra cervejaria do tipo craft ou microcervejaria, realmente o mercado era muito incipiente. O que vimos ao longo desse período foi uma verdadeira explosão no setor cervejeiro, a ponto de incomodar as grandes produtoras de pilsen no país. Embora muitos resistam em não contabilizar essas microcervejarias como startups, na maior parte do mundo elas são parte de todo o sistema upstream da cadeia de inovação do sistema circular do agronegócio e da produção de alimentos que chega até o pós-consumidor. As craft brewery ou microbrewery como são chamadas fora do Brasil, são realmente um grande atrativo para investimentos de maneira global. No Brasil não ficamos atrás e hoje temos milhares destas cervejarias espalhadas pelas mais diferentes regiões do país e até na região amazônica temos iniciativas de altíssima qualidade. Há cervejarias maiores e menores, para todos os tipos de gostos. As variedades de tipos explodiu como opções. Entretanto, algo ainda continua sendo um grande desafio para avançarmos com características excluivas na produção de cerveja, a matéria prima. O país é ainda altamente dependente de importação de matérias-primas para a produção cervejeira. Para se ter uma ideia do que isso significa, em 2020, quase 100% do lúpulo utilizado pelas cervejarias brasileiras foram importados. E dentre as matérias-primas, talvez essa seja a mais desafiadora. Não é por menos que de olho na inovação e nas startups do setor que Felipe Sommer consultor de projetos especiais da Ambev, anunciou uma parceria com a Silver Hops para o cultivo high tech de lúpulo no Brasil. “Não temos a pretensão de trazer autossuficiência em lúpulo para o Brasil por enquanto, mas mostrar que é possível o cultivo com qualidade, tecnologia de ponta e responsabilidade social junto às famílias produtoras”, explica o gestor da iniciativa e consultor de projetos especiais da Ambev, Felipe Sommer.
O lúpulo (Humulus lupulus L.) é uma espécie de angiosperma que apresenta inflorescências que são utilizadas na produção da cerveja. Essas inflorescências (agrupamento de flores) contêm substâncias importantes que garantem aroma, amargor e outras propriedades à cerveja. O lúpulo é usado de diferentes formas na indústria cervejeira, podendo ser utilizado na forma de extrato, flores inteiras ou pellets.
A história do lúpulo remota a muito tempo atrás no Brasil. A planta já foi cultivada em solo brasileiro, conforme anúncio do Jornal Baependiano de 1886. Há relatos no dias atuais de algumas iniciativas isoladas. E há pesquisas de melhoramento genético em andamento, como as conduzidas pelo professor José Baldin Pinheiro do Departamento de Genética da ESALQ-USP.
Ainda assim o cultivo do lúpulo no Brasil segue sendo desafiador. As próprias empresas produtoras de cerveja trazem questionamentos importantes sobre a matéria-prima produzida no país como: Qual o nível de alfa-ácidos? Como os lúpulos já plantados se adaptaram às condições climáticas do Brasil? Por que o cultivo não apresenta continuidade? Quais características, tanto para aroma quanto para amargor, as variedades nacionais apresentam? As variedades nacionais são mesmo nacionais ou clones de variedades estrangeiras? E justamente por esses questionamentos é que a maior parte das cervejarias ainda optam por importar o lúpulo ao invés de utilizar um nacional.
Agtech faz parceria com Ambev para cultivo high tech de lúpulo
É por isso que o anúncio da parceria entre Silver Hops e AMBEV se torna um marco para a indústria nacional. A Agtech Silver Hops irá otimizar a produção de lúpulo 100% brasileiro com uso de novas tecnologias agrícolas. A startup, com sede em Ribeirão Preto (SP), será a mais nova integrante do centro de inovações da gigante global das cervejas. A startup que nasceu com a missão de produzir alta tecnologia para viabilizar o lúpulo nacional, está fortemente alinhada com o Projeto Fazenda Santa Catarina desde 2020, para fortalecimento da agricultura familiar.
Há um grande otimismo nessa parceria como destaca José Virgílio Braghetto Neto, responsável pela Silver Hops: “Nosso papel será complementar o trabalho que já está sendo feito com a agricultura familiar, trazendo ainda mais o olhar da pesquisa e da inovação. Com essas duas frentes, poderemos gerar transformações importantes na cadeia de produção cervejeira e no agronegócio responsável brasileiro”
Não é de hoje que a AMBEV vem de olho nas startups para incrementar seu sistema produtivo. Recentemente a cervejaria anúncios a parceria com a Benson Hill para produção de cevada editada geneticamente.
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A primeira cerveja realmente 100% brasileira já existe
Os brasileiros mais entusiastas já podem usufruir de uma cerveja totalmente feita com matéria-prima produzida no país. Com cevada produzida no oeste de Santa Catarina, maltada em Blumenau, com lúpulo nacional e leveduras isoladas de uma planta nativa do litoral pela Yeast Hunters, a Lohn Bier lançou em agosto de 2021, a Toda Nossa, uma cerveja “brazilian pale ale”.
A Colorado não ficou atrás e anúnciou que está utilizando o lúpulo brasileiro em sua recente Hop Lager da Linha Brasil com S. Além do lúpulo nacional essa linha traz a tapioca como aditivo para trazer um sabor diferenciado (com informações da assessoria de imprensa).
A inovação tecnologica que vem desde o melhoramento genético da planta até as suas formas de processamento estão trazendo um horizonte muito interessante para o mercado de lúpulo nacional. As características do material que responderá as perguntas feitas pelas próprias cervejeiras podem ser o grande diferencial, que trará um gostinho especial para as cervejas e que podem certamente escalar e ganhar o paladar do mundo todo.